Sábado, dia 06:
De noite comi um macarrão e voltei pro quarto pra dormir. Coloquei meu celular pra despertar às 5:30, pois como teríamos que voltar uma hora quando fosse 2 da manhã de domingo, 5:30 no meu celular na verdade seriam 4:30 e como meu ônibus partia as 5:00, dava tempo de eu me arrumar e chegar no ponto de encontro em tempo.
Domingo, dia 7 (Dia da maratona)
Acordo as 5:30, horário do meu celular, e supostamente 4:30 horário local. Depois de me arrumar e descer, adivinha o que eu descubro quando chego na recepção do hotel? Na verdade já eram realmente 5:30. Ou seja, meu celular, às 20:30 da noite do sábado já tinha atualizado a hora para menos 1 e o animal aqui não percebeu. O desespero bateu na hora e só não fiquei mais gelado porque o frio da madrugada de NY já me congelava. Saí correndo em direção à biblioteca pública, de onde sairiam os ônibus e já estava ensaiando o meu discurso de misericórdia para que eles deixassem eu ir no ônibus das 6:00 pelo amor de tudo que fosse mais sagrado...."Sir, please, I came from Brazil just to run this marathon....don't do this to me! Please, mercy!". Felizmente não foi necessário.....entrei em um dos ônibus das 6:00 sem precisar mostrar absolutamente nada! Por que então eles tentam empurrar o maior número de pessoas para a saída das 5:00? Para que os atrasados como eu tenham espaço nos próximos ônibus mas obviamente eles não falam isso. Mas fica o bizu pra quem vai correr essa prova: mesmo que você pegue o adesivinho pra pegar o ônibus das 5:00, pegue o ônibus da 7 pois essas horas de sono farão muita diferença. (Se eles te descobrirem, use a frase em inglês acima que deve dar certo!)
Já no ônibus, com um aquecedor ligado, percebo um detalhe importantíssimo. Coloco a mão por dentro da calça de moleton e eis o que encontro? Nada de short! Somente a bermuda térmica! Cheguei a ficar zonzo..."Não, não é possível que eu vou ter que correr só com essa bermudinha coladinha! Preciso encontrar algum brasileiro previnido que tenha trazido 2 shorts!". Não adiantou....tive mesmo que correr com tudo apertadinho e perdi a vergonha.
Chegamos no ponto de partida as 6:40 e lembrem-se, a minha largada era às 10:40 somente! Eu digo à vocês que o melhor conselho que eu posso dar é esse: comprem um colchonete de borracha para que vocês tenham onde deitar ou sentar para esperar tanto tempo num frio de 2 graus! Eu nunca passei tanto frio na minha vida e se não fosse pela tal borracha para fazer pilates, que eu comprei por 30 USD, eu certamente teria me arrebentado. O chão era tão gelado quanto gelo! Todo mundo fica ao ar livre, numa área sem cobertura de nada e é um frio absurdo pra quem não está acostumado! Graças à borracha, que por sinal era bem grossa, eu consegui até tirar um cochilo entre uma tremida e outra.
E a vontade de ir ao banheiro antes de correr? Como estava muito frio, eu tive que urinar por 2 vezes. Na primeira vez a fila andou rápido...na segunda vez quase me mijei. E não é que quando estávamos indo para próximo a área de largada começa a me dar um revertério intestinal??! Pensei, "Não...não cago num banheiro químicos desses já entulhado de merda nem amarrado pelos ovos".....mas não teve jeito. Melhor pra fora do que pra dentro...se eu não fosse no banheiro naquela hora, provavelmente só iria depois da corrida e aí podia ser tarde demais. Chega a hora que começam a chamar o pessoal da terceira largada para se dirigir à linha de largada....aí chegou a hora de eu perder a vergonha e tirar a calça de moleton e deixar para a doação....
Durante o início da corrida, onde já saímos pegando a ponte para o Brooklyn, muita gente começa a se desfazer das luvas e gorros. Eu achei exagerado e preferi manter minhas luvas que tinha pago 10 USD no dia anterior. Mas de repente começou a esquentar bem, e resolvi tirar as luvas. Prendi no meu cinto de utilidades que eu também tinha comprado no dia anterior, e fiquei de olho pra não deixar cair. Resolvi também pegar uma das muitas toucas que estavam sendo descartadas e peguei uma laranjinha, que muitas pessoas ganharam da Dunkin Donuts, e coloquei também no meu cinto do batman.
Comeci a corrida já com música pois o frio tava de arrebentar, e a música ajudava a esquentar o corpo. Quando passamos pela milha 1, tive a impressão que ainda não tínhamos corrido nem 1Km e me veio um bom pressentimento. Achei que a corrida passaria voando! Mal sabia eu o que estava prestes à vir. Logo na metade da milha 1 para milha 2, comecei a sentir um incômodo da blusa arrastando no peito. A blusa tinha sido comprada no dia anterior, e resolvi usar pois o tecido era muito macio e ela realmente "cortava o vento" como a propaganda dizia. Tinha até comprado uma espécie de pomada, anti-assadura (Assadura em inglês é chafe, só descobri lá) mas não tinha deixado no meu cinto de utilidades. Mas eis que passo pela milha 3 e começo a entender a diferença de se correr numa maratona com infraestrutura de verdade; um posto médico, com vários voluntários dando vaselina num palitinho de sorvete! Fiquei pensando em como eles pensaram realmente em tudo! Me lambuzei de vaselina já na área que a costura incomodou e fui embora ouvindo meu Ipod.
A parte no Brooklyn foi muito maneira e passei por umas ruas residenciais com muita gente no portão vibrando e nos dando força. Aliás, gente dando força certamente não faltou mas fica aqui o meu pequeno desapontamento: não vi NINGUÉM com a bandeira do Brasil durante quase toda corrida. Tinha gente com bandeira do Chile, do Irã, do Paquistão, do Chade, das Ilhas Maurício mas nada de brasileiros empolgados! Só mesmo lá pela milha 19 eu encontrei uma senhora com uma bandeira do Brasil nas mãos, na Avenida 1, e fui tirar satisfação com ela: " Por onde a senhora andou esse tempo todo??! A senhora é a primeira torcida brasileira que eu encontro pelo caminho!", e ela imediatamente me disse que todo ano estava ali naquele mesmo lugar!
Outro fato curioso foi ver uma certa separação por bairros, lá no Brooklyin ainda. Lá pela milha 8 ou 9, passamos por um bairro de judeus, e todo mundo andando nas calçadas tinha aquela touquinha, barbas enormes e cabelos de trancinha, atrás ou na frente. Cheguei a pensar que eu estava dentro da BHPhoto.
Quando cheguei na milha 13 e estava bem, fiquei achando que seria mais fácil do que eu havia imaginado. Resolvi parar para pegar um gatorade e beber uma água, e disparar mais algumas palavras sozinho, me confirmando como um dos maiores puxa-sacos dos Estados Unidos da América...
O meu plano inicial, era seguir correndo sem parar até a milha 15 (Km 24) e andar talvez por umas 2 milhas. Acabei dando umas andadas bem menores antes da milha 15 e segui relativamente bem, sem muito sacrifício porém num ritmo lento, até mais ou menos a milha 18 (Km 29). Antes disso porém fiz mais um vídeo na ponte para Manhatan.
Segui correndo e depois dessa ponte, um pouco depois chegamos na 1st Avenue, que é uma avenida muito similar a Av. Rio Branco aqui no Rio de Janeiro. Muita gente na rua e lá eu tive que apelar pra música "Empire State of Mind" que me deu um grande gás. Teve uma hora que eu passei pela multidão nas grades e dei uma empolgada neles, cantando o refrão da música: " In New York, concrete jungles where dreams are made, there is nothing you can't do now you are in NY..these streets will make you feel brand new, the lights will inspire you...". Só me arrependo de não ter filmado essa parte pois a multidão vibrou (eu cantei alto mesmo..).
Passando do Km 30, eu tive que lembrar de tudo que já tinha lido sobre maratonas, e que me parece unanimidade: "Depois do Km 30 é que se separam os homens das crianças!". Pra mim, pura verdade e ficou claro que eu estava no segundo grupo. Minhas pernas começaram a travar, minha coxa doía ao extremo e resolvi parar num posto médico pra ver se teria alguma massagista por lá. Eis que qual não foi minha surpresa quando eu expliquei meu problema e apareceu uma menina para fazer massagem nas minhas pernas. Mais uma vez, nota 10 para a estrutura da Maratona!
Quando passando mais ou menos pelo Km 32, onde o tempo já parecia passar bem mais devagar e eu não aguentava mais me alimentar de gel de carboidrato e de barrinha de proteína, eis que surge uma velhinha com uma bandeja na mão e gritando: "sandwich, sandwich!". Fui correndo lá pois vi que só tinha 1 e depois de agradecer muito, abro e vejo que era um sanduíche de pão árabe com pasta de atum....parecia um sonho! Como ela tinha adivinhado que eu adorava atum?? Aquilo pra mim foi um anjo que Deus mandou...não tem outra explicação! :-)
Lá pelo Km 37, eis que começo a sentir uma dor no joelho direito muito incômoda e resolvo parar novamente num posto médico para pedir para enfaixar com uma atadura. Saí dali andando e devo ter andando pelo menos uns 2Km até encher o saco daquilo (acabou que ficou apertado) e jogar fora já nos Km finais, onde já era possível ver o Central Park. Ah! Esqueci de dizer....se não tivesse pego a touca lá nos primeiro Kms, acho que o perrengue teria sido muito maior. Nos momentos de corrida na sombra e já esgotado, a touca ajudou muito a manter a temperatura.
Quando eu passei pela milha 24, achei que seria muito mais rápido do que realmente terminou sendo para chegar na linha de chegada....ei um vídeo meu com voz de destruído, assim que passei pela milha 25! :-) Tava revendo esse vídeo hoje e achando ridículo....com uma voz de choro....hahaha..muito sofrimento
Sem mais firulas e histórias boas pra contar, eis que finalmente consigo chegar na linha de chegada, depois de exatas 6 horas e 1 minuto. O tempo foi pior do que eu imaginei, mas como cheguei a pensar que não concluiría a prova por não ter conseguido tempo suficiente pra treinar e por não ter feito nenhum treino de mais de 21Km, fiquei realmente satisfeito de ter completado a prova. Pensei inclusive que ia chorar depois de passar na linha de chegada mas não foi pra tanto. A maratona foi sem dúvida a coisa mais difícil que eu já fiz na vida, principalmente pelo preparo insuficiente.
Abaixo, alguns vídeos de algumas músicas que me ajudaram a completar a prova, mas antes, o primeiro de todos, com o grande Frank cantando New York, New York e várias fotas dessa cidade incrível!
Meus agradecimentos especiais vão primeiramente para minha magnífica esposa que aturou todo o período de treinamento em que muitas vezes eu saía de casa 11 da noite e só retornava 1 da manhã. Por toda sua força, seu carinho e o amor com que sempre cuidou de mim e dos nosso filhos, essa medalha é tão dela quanto minha! Ainda volto em NY somente com ela (nada de criança!)
Aos amigos Alexandre e Bruno, que participaram mais de perto disso tudo comigo. Alexandre começou treinando comigo mas teve uma séria fascite nos dois pés e teve que parar de correr por ter um arco do pé parecido com os arcos da lapa. Ao Bruno, pela força e patrocínio...até um Nimbus 12 o cara trouxe da América e me deu de presente!
Aos poucos mas fiéis seguidores desse blog "porco": Luciana, Ésio, Gama, Rodrigo maratonista, Paulo de Lisboa, Gelse! Obrigado pelo carinho e incentivo!
Empire State of Mind
The Best of You